Conhecidos como o "power couple" do Teatro Musical em Portugal, Sissi Martins e Ruben Madureira revelam as suas inseguranças, memórias, esperanças e sonhos... E vêm relembrar-nos de que "Love is Love is Love..." ("Amor é sempre Amor...")
Sempre souberam o que queriam fazer?
SISSI: Não... Eu desde pequena que gostava muito de cantar e dançar, sempre fui educada na música e os meus pais eram apaixonados por musicais. Aliás, isto é engraçado contar: o meu pai foi perseguido pela PIDE porque foi ver sete vezes o West Side Story ao cinema! Isso diz muito da família que eu tive em casa. A minha mãe adora cantar, sempre quis ser patinadora artística... (RUBEN: Também a minha!) E o meu irmão aos dois anos só queria tocar piano. Mas eu sempre fui aquela miúda muito certinha, que achava que o Teatro Musical tinha que ser um hobby, que tinha que ser uma coisa em paralelo, que tinha que ter uma vida estável... É óbvio que nós depois tomamos consciência do que é que nos faz realmente felizes e apaixonados e tive que seguir aquilo que mais amava. Mas ainda lutei muito, ainda fui para Serviço Social, ainda lutei para ter uma estabilidade diferente.
Eu andei perdido na área do Desporto durante muitos anos... (Voltaste a reviver isso na Popota, então...) Aquele fato de treino era do meu pai!! O meu pai foi Seleccionador da Selecção Portuguesa de Atletismo e campeão pelo Futebol Clube do Porto, e eu trouxe aquele fato de treino precisamente por ser dos anos 90! Foi incrível para mim poder vestir aquilo!
Bom, eu desde muito cedo que percebi que tinha uma ligação muito forte com a música, com a arte, com a vontade de fazer as pessoas rir, com os programas de rádio que fazia em casa com a minha mãe como público (se ela se risse, era aí que eu sentia que as coisas resultavam - eu adorava ouvi-la rir)... Até mesmo na escola, eu era o "palhacinho" da turma: quando nós tínhamos que ler um texto em Português, era sempre o primeiro a levantar-me e tentar fazer macacadas! Apesar de não ter ninguém na família ligada a esta área, parece que, desde miúdo, tinha uma aproximação implícita: já tinha visto o Mary Poppins e o Música no Coração aí umas cinquenta vezes, já dançava com o Gene Kelly e o Fred Astaire... Lembro-me bem de partir a minha sala toda, a dançar em cima dos sofás, a tentar fazer acrobacias - muito mal sucedidas, devo dizer... Mas só aos 16 anos é que me profissionalizei nesta área. Embora tenha começado mais cedo a fazer de palhaço em colectividades e coisas do género, a verdade é que não me apercebi de que queria ser actor muito cedo.
Sabemos que há meses bons e maus nesta profissão. O que fazem para se manterem optimistas e crentes? Alguma vez pensaram em desistir?
Para mim, as dobragens foram sempre uma fonte de rendimento extra. Para além disso, sou também professora de técnica vocal (na ACT, actualmente). Mas já começámos do zero muitas vezes, os dois... Sempre juntos, graças a Deus. Sempre que foi preciso recomeçar, recomeçámos e não temos medos. E eu acho que houve alturas em que Deus não esteve lá... Foi difícil. Houve momentos em que foi preciso arriscar e começar do zero, o que não é fácil. Mas sim, sempre tivemos estas fontes de rendimento extra. Mais os "gigs", os pequenos trabalhos que aparecem, já cantámos em casamentos... Acho que é preciso nunca fechar portas porque não se sabe o dia de amanhã. E pensar que fazemos tudo por um motivo: eu já lavei cabeças e arranjei unhas, ele vendeu sobremesas num restaurante, ... E hoje estou em camarins e pedem-me ajuda em penteados ou maquilhagem e eu sei que só aprendi a fazer isso porque não tinha trabalho naquilo que eu queria mesmo, portanto acredito que tudo é uma fonte de experiência.
Nós damo-nos mesmo como privilegiados, porque há mais de dez anos que trabalhamos consecutivamente (e agradecemos a quem nos tem dados essas oportunidades profissionais). É fantástico tu poderes fazer aquilo que mais amas, ainda ganhares dinheiro e ainda te baterem palmas no fim! Só te podes dar como agradecido no final, quando o plano fecha. Contudo, acho que também é preciso haver uma boa gestão financeira e manter o espírito apaixonado e optimista - porque as coisas correm melhor! Nós vivemos verdadeiramente apaixonados por aquilo que fazemos. Nós continuamos neste trilho (quanto a nós, digno) porque não queremos ir para outro sítio que não este. O que realmente nos move é viver apaixonado, viver mais intensamente cada momento desta profissão. E, fazendo isso, acabas por, em vez de dar 100%, dar sempre 300% por qualquer coisa que faças.
Nós costumamos dizer: o amor é cómodo. E não se pode amar a nossa profissão, porque senão cai-se em rotina. Mas ao viver apaixonado, é-se mais feliz. Citando Lin-Manuel Miranda, "Love is Love is Love..." (Amor é sempre Amor)! O essencial é pegar nesta vida um bocadinho complicada e tirar o positivo. Acho que só assim é que é possível aguentar.
São considerados o "power couple" do Teatro Musical em Portugal - foi uma decisão vossa trabalharem sempre juntos ou simplesmente aconteceu?
O meio acha que é uma imposição trabalharmos juntos!! Nós fomos postos durante três anos a trabalhar juntos como casal, apenas porque havia química - e o Filipe La Féria viu essa química... Fizemos o Jesus Cristo Superstar, Música no Coração, Violino no Telhado, Alice no País das Maravilhas, Annie, ... A verdade é que nós funcionamos muito bem, dentro e fora de palco, por isso aconteceu! Esta dupla surgiu porque nós tínhamos uma sinergia especial e muita química de palco. E fomos melhores amigos antes de sermos qualquer outra coisa. Mas eu ainda me orgulho que nos perguntem se somos namorados! Porque nós distinguimo-nos muito, temos métodos de trabalho totalmente diferentes.. E quem trabalha connosco sabe disto.
Mas eu acho que o meio, que já nos conhece, quando se lembra de um, lembra-se do outro. As pessoas associam-nos. Só esperamos sempre que seja pelo nosso talento e não por ser um "pacote". Mas não é imposição nenhuma!
E é giro que as pessoas perguntam sempre se é difícil trabalharmos juntos há tanto tempo - eu acho que não! Não é nada difícil porque estamos na mesma profissão... Sim, como eu costumo dizer que a razão para nos darmos tão bem é porque quando ele chega a casa chateado, eu sei porque é que é.
Sissi, recentemente aceitaste o desafio de assumir a encenação de um musical. Foi algo que sempre pensaste fazer e é um objectivo a perseguir? No geral, a parte criativa é algo que vos chama, que se veêm a fazer?
Eu antes acharia que não. Aliás, inicialmente disse mesmo que não! Reconheço que tenho jeito para ensinar, para passar informação, para incutir noutros a minha forma de ver as coisas... E a produtora em questão (por já me conhecerem de outros projectos) sabia que eu era essa pessoa, que está em mim, inconscientemente, ajudar o outro (e eu acho que a encenação parte dessa ajuda). Não tinha essa noção mas a Popota - O Musical foi uma forma de descobrir e aceitar esse lado. E eu, enquanto actor que foi dirigido pela nova encenadora Sissi, posso dizer que ela tem o factor determinante em qualquer encenador ou criativo: a sensibilidade minuciosa para fazer o actor chegar a determinado sítio e fazê-lo com muita paixão e entrega. A Sissi tem esse dom de passar conhecimento muito facilmente para o actor se destacar - o que resultou numa simbiose fantástica com um elenco não muito experiente, que fez brilhar os olhos de milhares de crianças.
Já eu.. Não me vejo a fazer nada disso porque não tenho muita paciência para o processo de cada actor, para explicar, para esperar, para distracções, ... Sou demasiado rígido com a minha profissão, tenho muito rigor ao fazer aquilo que amo... E não tenho a destreza de um líder.
Fizeram os dois parte do elenco de SIMONE - O MUSICAL, o qual esteve meses em cena e ainda foi em digressão pelo país. Acham que isto pode significar que o Teatro Musical é um género a crescer cada vez mais em Portugal? O que é que falta para existir uma verdadeira Broadway Portuguesa?
Eu estou muito feliz porque há cada vez mais jovens a querer aprender Teatro Musical e cada vez mais há uma geração apaixonada por Teatro Musical. Em relação ao que falta: sinto que falta sensibilizar as pessoas de que Teatro Musical não é menor, que não seja considerado revista.
Eu acho que faltam histórias portuguesas, que aproximem as crianças e os jovens à nossa história. O Simone - O Musical trouxe isso: trouxe gerações diferentes ao Teatro, por causa de uma pessoa que é da geração dos meus pais. Foi muito bonito ver essa passagem de testemunho. Por isso, acho que o que está a fazer falta é mesmo dar ao público mais jovem a noção de que Teatro Musical é uma forma de arte tão completa que apaixona quem está sentado. E a verdade é que as pessoas não sabem o que é Teatro Musical, muito menos o que é Teatro Musical contemporâneo. Na generalidade, têm a mania de dizer que não gostam de musicais e nunca viram ou viram só um... Eu comparo isto muitas vezes à literatura: assim como um livro, as pessoas precisam de encontrar o espectáculo certo para continuarem apaixonadas pelo género. Mas sim, é um universo que tem vindo a expandir-se no nosso país e nós ficamos muito felizes.
Pensam abrir uma escola de Teatro Musical?
Isso realmente é uma coisa que nunca excluímos a longo prazo. Terá que acontecer naturalmente, quando se reunirem as peças certas. Acho que sentimos os dois que podemos dar algo à nossa juventude mas aguardamos ansiosamente que isso possa ser realidade.
Para finalizar, a pergunta cliché: Que conselho dariam a alguém com o sonho de criar uma carreira em Teatro Musical?
Lutar muito. Continuar sempre positivo. Vou citar uma coisa que dizia todos os dias ao elenco do Popota - O Musical, que aprendi com o Terra dos Sonhos: "Viver espantado de existir", no palco e fora dele. Só assim é que não se desiste facilmente. E esta é mesmo uma área em que nos podemos desiludir facilmente e desistir. Desistir é fácil. Há tanta gente a fazer com que queiras desistir, que se torna fácil. Têm que errar, cair... Como diz o Leslie Odom Jr., "Se caíres 100 vezes, levantas-te 101!" É muito fácil sermos desacreditados ou pelos pais, ou pela família, ou pelo amigo que acha ou não acha...
Mas há uma coisa que ninguém pode parar: o sonho e o acreditar.
Último musical que viram ao vivo? |
In The Heights, no King's Cross Theatre (Londres). |
Qual é o álbum que está no vosso carro? |
Terra dos Sonhos - O Musical (porque estamos a estudar para a reposição)! Mas normalmente seria o Dear Evan Hansen. |
Favoritos de sempre? |
Hamilton - An American Musical, Dear Evan Hansen e Ghost - The Musical. |
Personagens de sonho? |
SISSI: Peggy/ Maria (Hamilton - An American Musical) ou, na verdade, qualquer personagem feminina no musical! RUBEN: Roger (RENT) e Jean Valjean (Les Miserábles). |
Maiores role-models/ inspirações? |
SISSI: Chita Rivera e Lin-Manuel Miranda. RUBEN: Lin-Manuel Miranda, Bob Fosse, Steven Pasquale, Ramin Karimloo e tantos outros... E a Sissi Martins (que também é uma grande inspiração)! |
Próximos projectos? |
Terra dos Sonhos - O Musical (na Culturgest e na Casa da Música) e Suite 647 (no Auditório dos Oceanos, Casino Lisboa). |
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