By Claudio Erlichman. Now on stage at the 033 Rooftop, the production stars Fabi Bang, Icaro Silva and Andre Torquato.
Originally created in 1966, the musical Cabaret is one of Broadway's biggest hits of all time and became even better known thanks to the iconic 1972 film adaptation, directed by Bob Fosse and starring Liza Minnelli and Joel Grey. Now, the show has a new Brazilian version that opened on March 8th, at 033 Rooftop, in the JK Iguatemi complex, where it will continue until May 12th, with performances on Fridays, at 8:30 pm; on Saturdays, at 3pm and 8:30pm; and on Sundays, at 3pm and 7:30pm.
The Brazilian production is directed by Kleber Montanheiro, musical direction by Fernanda Maia, choreography by Barbara Guerra and the Brazilian version written by Mariana Elisabetsky. In addition, it features stars from the Brazilian theater scene such as Fabi Bang (Sally Bowles), Ícaro Silva (Cliff Bradshaw) and André Torquato (Emcee).
The show is the result of collaboration between producer Marilia Toledo and director Kleber Montanheiro, two important names in Brazilian theater. The production maintains John Kander's original songs and Fred Ebb's lyrics, which have marked generations of viewers around the world. Recently, the musical was revived in London, and re-open on Broadway this month.
The plot follows nightlife at the KitKat Club, a bankrupt cabaret in Berlin that saw the terrible rise of Nazism in Germany, then the Weimar Republic, in the early 1930s. It is there that English singer and dancer Sally Bowles falls in love with a young American writer called Cliff Bradshaw.
Antes da mais nada, Cabaret É o musical que me fez amar os musicais. O primeiro que sabia todo o score de cor, graças a uma fita K7, a do filme – tenho esta relíqua até hoje! – que ouvia no carro da minha mãe, e as inúmeras reprises do Cine Praiano, no Guarujá, onde passava as férias. Tive a oportunidade, e por que não dizer a sorte de ter assistido não só todas as montagens brasileiras mas algumas pelo mundo também, incluindo aí uma em Telavive (1982), além de produções na Broadway e no West End.
O tema e o cenário de Cabaret, que estreou na Broadway em 20 de novembro, de 1966, mostravam o quanto e a rapidez com que os musicais norte-americanos tinham amadurecido. Ambientado em Berlim, no final da República de Weimar, o espetáculo foi pioneiro de um novo gênero de musicais sofisticados e exigentes, destinado exclusivamente a adultos. E fez parecer irrelevante o popular A Noviça Rebelde (The Sound of Music), de 1959, que também se passa numa sociedade que se curva ao nazismo.
HISTÓRIA
Baseado na peça I Am a Camera (de John Van Druten (1901-1957), 1951) que por sua vez foi adaptado das novelas Goodbye Berlin e Berlin Stories (de Christopher Isherwood (1904-1986), 1931), Cabaret se volta ao decadente night club berlinense Kit Kat Club usado como metáfora da decadência do mundo pré Alemanha-nazista, com os números de cabaré sendo usados como comentários das situações da trama. No Kit Kat Club, onde o epiceno Emcee (MC) - Mestre de Cerimônias dá boas vindas a todos, a principal atração é a hedonista expatriada britânica Sally Bowles, que também acena aos freqüentadores com seu canto de sereia. As histórias principais giram em torno do breve amásio de Sally com Clifford Bradshaw, um escritor americano, e um romance mais trágico entre a ariana Fräulein Schneider e o judeu Herr Schultz. Ajudando a recriar o clima de um mundo em decadência, na montagem original estava a fluída direção de Harold Prince (1928-2019), um score de Kander & Ebb (1928-2004) com propósito de evocar Kurt Weill (1900-1950), e os cenários de Boris Aronson (1898-1980) que remetiam às pinturas de George Grosz (1893-1959). Sobre o palco ele colocou um enorme espelho inclinado refletindo a platéia – um meio de Prince envolver os espectadores na tragédia que, em sua opinião, tinha um paralelo na intolerância racial norte-americana.
Grande parte da peça parece reminiscência do dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898-1956). O ar brechtniano foi acentuado pela presença no elenco original de Lotte Lenya (1898-1981), viúva de Kurt Weill, um colaborador de Brecht. Apesar dela quem realmente roubou a cena foi Joel Grey, que eu tive a sorte de assistir na remontagem de 1987, praticamente uma cópia da original, com direito a conversar com ele na saída e ter o meu Playbill generosamente autografado. Seu insidioso, sarcástico e decadente Mestre de Cerimônias foi uma criação nunca vista antes na Broadway lhe rendendo todos os prêmios, inclusive o Oscar, quando Cabaret foi adaptado para as telas. Entretanto sua persona muito específica não lhe rendeu muitos papéis mais tarde. Ele que é pai de Jennifer Grey (Dirty Dancing: Ritmo Quente, Curtindo a Vida Adoidado) e filho de um dos maiores artistas do vaudeville iídiche, Mickey Katz (1909-1985), deu vida mais tarde ao Mágico de OZ, em Wicked.
Cabaret recebeu oito Prêmios Tony: Melhor Musical, Compositor e Letrista, Ator Coadjuvante (Joel Grey), Atriz Coadjuvante (Peg Murray), Cenário, Figurino, Coreografia (Ron Field) e Direção. Em 1968 foi realizada a montagem londrina tendo Judi Dench no papel de Sally e Lila Kedrova como Fräulein Schneider. Outras remontagens aconteceram no West End, mas nenhuma como a de 1993. Com direção de Sam Mendes (Beleza Americana, 007 Contra Skyfall, 1917) e aclamada pela crítica, era inconfortavelmente dark, premeditadamente sexualizada, e logo foi levada para a Broadway onde estreou em 1998, co-dirigida e coreografada por Rob Marshall (Chicago, Nine). Acabou levando mais quatro Tonys: Remontagem, Melhor Ator (Alan Cumming numa recriação impensável do Emcee), Melhor Atriz (Natasha Richardson (1963-2009), como Sally) e Melhor Ator Coadjuvante (Ron Rifkin personificando Herr Schultz). Também ganhou três Drama Desk Awards, três Outer Critics Circle Awards, um Theatre World Award, um Astaire Award e um prêmio especial do New York Drama Critics. Esta remontagem que teve 2.377 apresentações (contra 1.165 da primeira), acabou indo para a mítica discoteca dos anos 80, o Studio 54, completamente ampliada e renovada para este fim, dando um ar ainda mais característico de cabaré à peça. Seu final, onde sugere que praticamente todos os personagens acabariam em um campo de concentração é uma das cenas mais aterrorizantes que assisti num musical. Da mesma forma, e tão impactante foi a remontagem do West End, de 2006, com direção de Rufus Norris tendo Anna Maxwell Martin no papel de Sally Bowles, James Dreyfus como o Emcee e Michael Hayden — repetindo a interpretação de Cliff Bradshaw, que já havia feito na Broadway, em 1999, na produção de Sam Mendes.
NO BRASIL
Muitos países montaram este show, inclusive Israel, Alemanha, Áustria e Argentina. No Brasil uma versão polêmica e homoerótica foi encenada em São Paulo, em 1989. Tendo direção de Jorge Takla e José Possi Neto, coreografia de Kika Sampaio e direção musical (vencedora da APCA) de Luís Gustavo Petri, trazia no elenco Beth Goulart (Sally), Mira Haar (Fräulein Schneider), além de Flávio de Souza, Claudia Matarazzo e Paulo Goulart Filho. A primeira controvérsia foi dar a Diogo Vilela tanto o papel do Mestre de Cerimônias quanto o de Clifford Bradshaw, o que gerava certa confusão desnecessária. Rubens Caribé (1965-2022) de cabelo tingido de loiro e completamente nu, cantando em alemão “Tomorrow Belongs To Me”, e fazendo a saudação nazista era amedrontador. Porém nada se comparou ao mal gosto de transformar a fachada do Teatro Procópio Ferreira, numa espécie de Reichstag, com estandartes vermelhos que lembravam os nazistas com suásticas estilizadas, gerando inúmeros protestos da comunidade judaica. Eu que estive na noite de estréia desta montagem, beneficente a uma instituição israelita, me lembro bem do constrangimento dos que lá compareceram. No final dos anos 2000 uma remontagem, baseada naquela de Sam Mendes, chegou a ser anunciada por Claudia Raia. A então Time 4 Fun também chegou a anunciar uma produção para 2009, inclusive abrindo testes para o elenco. Como ambas eram detentoras dos direitos houve um litígio entre as partes, vencendo Raia, que viria a estrear em outubro de 2011. A Time 4 Fun acabou trazendo a montagem de A Bela e a Fera no lugar.
NO CINEMA
Com direção e coreografias inconfundíveis e antológicas de Bob Fosse (1927-1987) e roteiro dos próprios Van Druten e Isherwood, além de Joe Masteroff (1919-2018) o autor do libreto original, a versão cinematográfica aconteceu em 1972, e eu a prefiro muito mais à peça, sendo inclusive um dos meus dez filmes favoritos, talvez pelas significantes e acertadas diferenças do musical da Broadway. Para adequar Liza Minnelli ao papel, Sally Bowles foi americanizada e as canções foram revistas especialmente para ela, já que no original a personagem não tinha talento e as canções deveriam mostrar isso. O personagem Cliff Bradshaw foi renomeado como Brian Roberts (interpretado por Michael York) e agora ele é britânico e bissexual. O personagem Max (Helmut Griem) não existe na peça (embora provavelmente fosse baseado no personagem Clive que aparece no livro) nem a viagem à Berlim. Vários personagens foram cortados do filme (incluindo Herr Schultz, com o papel de Fräulein Schneider muito reduzido, e, portanto, o subplot romântico dos dois eliminado) e outros das crônicas de Isherwood acrescentados (como é o caso da jovem milionária judia Natalia Landauer, feito por Marisa Berenson). O score inteiro foi reorquestrado, com todas as músicas sendo acompanhadas pela “orquestra de garotas” do cabaré. Fosse criou praticamente um filme com música ao invés de um musical. Ele cortou todas as músicas que adiantassem a trama, deixando somente as canções cantadas no Kit Kat Club. A única exceção foi “Tomorrow Belongs To Me”, que era cantada num biergarten. Outra é “Married”, que é tocada num fonógrafo. A dupla Kander & Ebb escreveu algumas canções novas para o filme e removeram outras: “Don’t Tell Mama” foi trocada por “Mein Herr” e “The Money Song” (mantida só numa versão instrumental assim como “Sitting Pretty”) substituída por “Money, Money”. O interessante é que tanto “Mein Herr” quanto “Money, Money” acabaram sendo integradas a versão dos palcos. A canção “Maybe This Time” havia sido escrita anos antes para Golden Gate, um musical da dupla não produzido, o que a tornou inelegível para o Oscar, já que Liza Minnelli também a gravara em seu primeiro álbum, de 1964. O filme acabou vencendo o Oscar em oito categorias: Direção (Fosse), Atriz (Liza Minnelli), Ator Coadjuvante (Joel Grey), Direção de Arte, Fotografia, Edição, Música e Som; perdendo os prêmios de Melhor Filme e Roteiro para O Poderoso Chefão. Curiosamente uma versão cinematográfica não musical, baseada no mesmo material, já havia sido realizada em 1955, com o título de I Am A Camera (A História do Meu Passado, no Brasil) tendo Julie Harris (Sally), Laurence Harvey (Christopher Isherwood) e Shelley Winters (Natalia Landauer) no elenco.
NA VITROLA
Muitas gravações foram feitas de Cabaret, inclusive em francês, espanhol, grego, hebraico, italiano, holandês e alemão. Da minha coleção de vinis e CDs considero indispensáveis a do elenco original da Broadway, de 1966 (Columbia/Sony) - aliás o primeiro CD que comprei na vida! – e a trilha sonora, de 1972 (MCA). Só a presença de Lotte Lenya na primeira o torna um CD essencial em qualquer coleção assim como a de Liza Minnelli e Joel Grey na segunda os tornaram ícones pop e uma imagem logo associada ao musical. A gravação original com o elenco londrino, de 1968 (CBS/Sony) nos traz uma rara oportunidade de se ouvir a hoje Dame Judi Dench, que não é lá uma grande cantora, mas dá a medida certa da personagem, já que Sally Bowles também não era uma cantora afinada no Kit Kat Club. Esta mesma e ótima interpretação também podemos ouvir na voz de Natasha Richardson, na gravação do elenco da Broadway, de 1998 (RCA). A interpretação que ela dá a canção tema “Cabaret” é a mais diametralmente oposta o possível da de Liza, e temos pela primeira vez a gravação de “I Don’t Care Much”, sempre cortada das outras versões.
NO 033 ROOFTOP
Em 2021 uma nova produção intitulada Cabaret at the Kit Kat Club estreou em Londres, tendo o multipremiado Eddie Redmayne como o MC, num Playhouse Theater totalmente reformado para abrigar o Kit Kat Club. A montagem, sucesso de crítica e público, liderou as indicações ao Prêmio Olivier de 2022, com 11 indicações, vencendo sete, estabelecendo assim um recorde de ser a remontagem mais premiada da história do Olivier, bem como de ser a primeira produção a obter prêmios em todas as 4 categorias de atuação elegíveis. Já em previews esta mesma produção estreará na Broadway no próximo dia 20 de abril, também com o August Wilson Theater inteiramente reformado e Redmayne reprisando sua atuação.
Tendo como inspiração esta bem-sucedida montagem é que agora temos no espaço do 033 Rooftop, no complexo JK Iguatemi, até o dia 12 de maio, o Cabaret Kit Kat Club, fruto da colaboração entre a produtora Marilia Toledo e o diretor Kleber Montanheiro.
Deste modo se você for a esse show esperando uma cópia da versão cinematográfica de Liza Minelli, você vai deixar o teatro pensando que comprou para ver o show errado, mas acredite, certamente não sairá decepcionado. Esta produção é um ataque aos sentidos, parecendo estar à espreita nas profundezas da depravação, no poço da sensualidade, no ponto fraco do monstro emergente e austero do fascismo. Esta não é uma interpretação brilhante e alegre, sobrecarregada de showbiz, glamorizada ou chamativa desta história frequentemente contada, mas atrevo-me a sugerir que se John Van Druten, Christopher Isherwood ou Joe Masteroff, John Kander e Fred Ebb estivessem na plateia, eles poderiam muito bem ter se levantado para aplaudir a profundidade sombria, decadente e bastante perturbadora desta produção.
A direção é crucial para dar vida à visão do diretor e manter o interesse do público, e aqui temos uma encenação inovadora de Montanheiro utilizando de todos os recursos disponíveis, aproveitando ao máximo o grande espaço do 033 Rooftop, o remodelando admiravelmnte. Ele conserva o ritmo da obra bem fluído, o que é fundamental para manter o interesse do público num musical de quase três horas de duração.
Realmente toda a produção é um triunfo para Kleber, que não só idealizou radicalmente o espaço desenhando o cenário, mas preservando seu imaginário estético tão característico, também criou os figurinos, o design de produção enfim, que captura perfeitamente e de forma desconstruída a atmosfera pansexual do Kit Kat Club e da época em que a peça se passa, refletindo adequadamente a Berlim dos anos 1930. Segundo Kleber “a ideia é transportar as pessoas para dentro do Kit Kat Club, onde se passa a história. Então, vamos transformar o 033 Rooftop espalhando mesinhas por todo o espaço e criaremos cenas no meio da plateia, de modo que o público faça parte da encenação e seja transportado para a virada de 1929 para 1930. Também queremos explorar essa ideia sensorial com a ajuda de efeitos de som e de luz”. Para tanto os cenários concebidos são baús de viagem que se abrem em forma de pop-up, e de lá saem ora a pensão de Fräulein Schneider, a frutaria de Herr Schultz ou o quarto de Clifford Bradshaw. O Kit Kat Club em si é como se fosse um picadeiro no meio do salão que se conecta por duas espécies de pontes retráteis, ótima solução que ainda delimita o realismo das cenas berlinenses com o desvario do cabaré. Esta divisão entre esses dois mundos é reforçada pelo desenho de luz de Gabriele Souza, ocupando todo o ambiente onde até as luminárias que ficam nas mesinhas, em determinado momento, integrarão a mise-en-scène.
Não vou fingir que sou especialista no vestuário dos clubes da falecida República de Weimar. Mas eu diria que Montanheiro canalizou o espírito deles, acrescentando um pouco de modernismo sedutoramente anacrônico e afastando as coisas da 'sensualidade' levemente boba das produções recentes deste show: os figurinos são angulares, vívidos, um tanto grotescos. Há uma aspereza estranha e um sentimento de confronto e maldade, um sentimento de que deixamos o mundo para trás: podemos realmente imaginar este lugar como uma estranha bolha noturna afastada das realidades cada vez mais sombrias da Alemanha lá fora. Os rostos dos artistas, com ótimo visagismo de Louise Helène, e perucas de Malonna, são sarcásticos ou sinistros, não submissos ou luxuriosos.
As coreografias pulsantes e contagiantes de Bárbara Guerra garantem que todos os números sejam entregues com alta qualidade. São desafiadoras, quase uma pintura cubista, transformando-as em algo grotesco e provocativo, mas soberbamente apropriadas e eficazes. A feiúra das formas e padrões corporais em Eu Estou Tranquilo/Money, Money acentua a vulgaridade dos ricos decadentes e o desejo de riqueza, por mais ignóbil que fosse. Um Trio foi uma orgia virtual, e eu sugiro fortemente que você não conte à mamãe o que as dançarinas fazem neste número. Dança do Telefone, uma canção que geralmente não é coreografada, aqui se torna um delicioso charleston e um dos grandes números do show. Nada disso teria funcionado, é claro, sem um conjunto de dança dedicado e, individual e coletivamente, os dançarinos mergulharam resplandecentemente no tema e na forma do conceito de sua coreógrafa. Muito ecléticos, este ensemble incrível é uma mistura de tipos formado pelos garotos e garotas do Kit Kat Alvinho de Pádua, Ana Araújo, Bruno Albuquerque, Daniel Caldini, Gabriel Malo, Hipólyto, Larissa Noel, Mari Saraiva, Maria Clara Manesco, Marisol Marcondes, Moira Osório e Tiago Dias, que só não dão um show, como também interagem com a plateia, além de Nick Vila Maior, como Max, o dono do cabaré.
A música, claro, é parte fundamental de Cabaré, e aqui temos o sound design a cargo de João Baracho e Fernando Akio Wada, que garante um ótimo som ao vivo num espaço muitas vezes difícil. A alta qualidade das apresentações musicais está a cargo da direção musical incomparável de Fernanada Maia, – que com assistência de Rafa Miranda, também responsável pela preparação vocal –, está à frente de uma banda inteiramente feminina dando uma sonoridade muito autêntica, nos transportando para aquele tempo/espaço graças a um élan de época bastante intimista.
Na adaptação específica de um musical como Cabaret, algumas críticas podem centrar-se na forma como são tratados temas delicados como política, sexualidade e antissemitismo. Com versão brasileira de texto e músicas a cargo de Mariana Elisabetsky, aqui temos um trabalho fiel ao espírito original da obra abordando adequadamente esses importantes temas ora de forma mais explicita, ora de forma mais sutil como no número Se A Vissem Com Meus Olhos: (spoiler) o vaudevillesco número da gorila não aparece, mas observe os leques... Como já vem acontecendo em outras montagens, lamento aqui também não termos os consagrados números Mein Herr e Maybe This Time.
Talvez o único ponto fraco da experiência imersiva fique a cargo do menu assinado pelo chef Mário Azevedo. Aqui ao invés de termos pratos que fossem servidos num cabaré berlinense dos anos 1930, optou-se, talvez pela praticidade, por pratos típicos alemães clichês mais adequados quem sabe a uma oktoberfest como embutidos, salsichas variadas, salada de batata, schnitzel com chucrute, – todas carnes de porco – e apfelstrudell de sobremesa. Como eu gostaria que ao menos no drink tivéssemos a oportunidade de provar o coquetel “ostras da terra” (o prairie oyster)...
A química entre os membros do elenco é essencial para criar relacionamentos verossímeis entre os personagens. E o que temos é uma química entre os atores bastante convincente com muita coesão nas atuações como um todo demonstrando profundidade emocional e conexão entre os atores e seus personagens. Com pronúncia germânica impecável Bruno Sigrist faz de seu Ernst Ludwig um alemão de afabilidade elegante, que de aluno de inglês de Cliff e contrabandista aos poucos vai nos mostrando seu lado mais sinistro como membro do partido nazista com muita firmeza. Atuando, cantando e dançando com muito brio, Carla Vazquez transforma Fräulein Kost, a prostituta que aluga um quarto na pensão de Fräulein Schneider, num personagem maior que a vida, perspicaz e de língua ferina que se sente confortável exibindo uma forte natureza sexual e lascividade em seus encontros nada furtuitos.
Os momentos mais ternos do espetáculo são criados por Anna Toledo e Eduardo Leão, a pragmática e solitária senhoria ariana Fräulein Schneider e seu pretendente judeu, o fruteiro Herr Schultz, respectivamente, como um Romeu e Julieta da terceira idade, com a esperança desesperada de encontrar o amor em um mundo que não aceitará suas diferenças. O destino de seu doce e cortês romance diante da desaprovação nazista impulsiona os eventos da história. Leão está amável, doce e adorável; dolorosamente ingênuo em relação à turbulência política na Alemanha e aquilo que lhe espera. A sinceridade do desempenho do casal é palpável e o sotaque alemão perfeito. Algo Assim (A Canção do Abacaxi) e Junto são comoventes, e as interpretações resignadas de Toledo de Pra Que? e O Que Eu Faço são tocantes a ponto de partir o coração.
Ícaro Silva interpreta Clifford Bradshaw o inocente romancista americano e professor de inglês viajando para Berlim com uma paixão e sinceridade que realmente vêm à tona quando os tons mais sombrios de sua situação começam a surgir nele. Seus olhos são os que vêm a realidade e, através dele, nós a vemos e a sentimos com medo, dor e desespero. Ele explora as muitas facetas de seu personagem como as complexidades de sua sexualidade e seus objetivos artísticos. Ele é o americano errante e sem um tostão que se apaixona por Sally e, por um tempo, quase a convence a deixar seu mundo. Ele tem uma intensidade, mas também uma vulnerabilidade profunda desde o início revelando seus segredos gota a gota, um jovem bonito e diferente cuja ingenuidade, honestidade e - francamente – a necessidade de ser mãe superam as defesas naturais de Sally. Nesta montagem ainda temos o prazer da interpretação de Ícaro para Não Vá, quase nunca apresentada em outras produções.
Em contraste, olhamos para o abismo através dos olhos do Mestre de Cerimônias de André Torquato. Uma força da natureza e uma figura exuberante, sua voz, suas palavras e seu tom capturaram perfeitamente a mentalidade cínica e sinistra do jogo mental da marionete não tão engraçada que abre e fecha o musical. Mas é seu desempenho físico, torcendo-se, girando, quase contorcionista por natureza, que o apresenta como a cobra, a serpente, o demônio, a face do mal que desliza e cresce na figura sombria e agourenta do nazismo e da opressão. Torquato está confortável interagindo com o público. Ele é dark, cômico, sinistro, vulgar... e ainda adorável. Uma presença forte, lúdica e misteriosa. Talvez esse tenha sido o papel para o qual ele nasceu, e me sinto um privilegiado por tê-lo visto fazer isso.
Foi a completa falta de qualquer tentativa de imitar Liza Minelli que torna a atuação de Fabi Bang como Sally Bowles única, perturbadora e realmente excelente. O realismo substituiu o esplendor, a ostentação substituiu o glamour, e até mesmo suas tentativas de frivolidade diante da adversidade foram contaminadas por tons de aceitação relutante de sua sorte. Não se trata de uma borboleta aproveitando o sol, mas de uma mariposa dançando freneticamente à luz fria do lampião, assustada com a escuridão iminente da verdade. Claro que há calor e há comédia, tudo deliciosamente realizado e interpretado com timing e expressão perfeitos, mas esta Sally Bowles faz você querer chorar pela desesperança de sua situação, por seu cair em si de que sim, a vida é um cabaré, mas fede, e quando ela executou esse número, ela assumiu esse papel, simplesmente magnética, sem maquiagem e se arrastando descalça e com uma roupa de baixo desbotada e deselegante. Como é tradição, o canto de Sally é um pouco desafinado. No entanto, o poder por trás dos vocais ásperos de Bang é surpreendente, e você pode sentir Sally ganhando vida nas cenas do Kit Kat Club: ela vive para isso, uma artista suprema, e você pode ver por que ela acha tão difícil sair. Esta sua aparição final, cantando a música título do musical, é absolutamente surpreendente: ela está com os olhos embotados e derrotada, mas a música anima seu corpo à força, rasgando seus membros amortecidos como uma torrente de eletricidade. Seu rosnado desesperado de 'venha para o cabaré ‘old chum’ é mais Kurt Cobain do que Liza Minelli.
A produção brasileira recria a atmosfera única e envolvente do show de forma imersiva, inspirada nas bem-sucedidas montagens internacionais. E ainda a história real, brilhante e arrepiante de Cabaret, soberbamente realizada, e com atuações merecedoras de prêmios. Com uma dose de provocação distintamente brechtiana e uma partitura com canções que se tornaram consagradas Cabaret se converteu num musical americano clássico que cativa, emociona e entretém o público há décadas com sua combinação única de música, dança e drama. Ultrapassando os limites da forma é um musical ardente, arrojado e imprescindível onde a cada remontagem é dada a cara de seu tempo e como um verdadeiro clássico consegue falar através dos anos e das gerações delineando sua mensagem própria sobre as vidas daqueles que estão dentro e fora do Kit Kat Club, portanto do mundo. É impossível alguém assistir Cabaret Kit Kat Club e passar incólume por esta “divina decadência”.
Mais acima escrevi que preferia o filme a versão teatral. Pois bem, esta montagem extraordinária nos faz mudar de opinião. Pretendo voltar, se tiver oportunidade, e estou muito grato e aliviado por ter assistido de forma tão prazerosa, como disse no começo, o musical que me fez amar os musicais. Que presente, que noite e que experiência incrível!
Ficha Técnica:
.CRIATIVOS
Libreto: José Masteroff
Música: John Kander
Letras: Fred Ebb
Baseado na peça de teatro de John Van Druten e Christopher Isherwood
Direção geral, cenário e figurinos: Kleber Montanheiro
Direção musical: Fernanda Maia
Coreografia: Barbara Guerra
Versão: Mariana Elisabetsky
Preparação de elenco: Erica Montanheiro
Diretor musical assistente e preparador vocal: Rafa Miranda
Diretora assistente e diretora residente: Daniela Stirbulov
Diretora assistente: Ana Elisa Mattos
Dance captain: Tiago Dias
Produção de elenco: Daniela Cury
Designer de luz: Gabriele Souza
Sound Designers: João Baracho / Fernando Akio Wada
Sound Designers associados e consultoria: Beatriz Passeti / Zelão Martins / Guilherme Ramos
Visagismo: Louise Helène
Figurinista assistente, gerência de ateliês e chefe de camarim: Marcos Valadão
Assistente de figurinos: Thaís Boneville
Pintura artística de cenário e figurino: Victor Grizzo
Perucaria: Malonna
Criação de Bonecos: Dante
Direção cenotécnica: Evas Carretero
Cenotécnicos: Isaac Tibúrcio e Alício Silva
Production Stage Manager: Rafael Reis
Stage Manager: Juliana Imperial
Stage Managers Assistentes: JV Costa e Wallace Félix
.ELENCO
Fabi Bang - Sally Bowles
Ícaro Silva - Clifford Bradshaw
André Torquato - Emcee
Anna Toledo - Fräulein Schneider
Bruno Sigrist - Ernst Ludwig
Eduardo Leão - Herr Schultz
Carla Vazquez - Fräulein Kost
Nick Vila Maior - Max
Maria Clara Manesco - Ensemble e cover de Sally Bowles
Marisol Marcondes - Ensemble e segunda cover de Sally Bowles
Hipólyto - Victor, Ensemble e cover de Clifford Bradshaw
Alvinho de Pádua - Ensemble e cover de Emcee
Ana Araújo - Ensemble e cover de Fräulein Schneider
Moira Osório - Ensemble e cover de Fräulein Kost
Daniel Caldini - Bobby, Ensemble e cover de Ernst Ludwig
Gabriel Malo - Marinheiro 01 e Ensemble
Bruno Albuquerque - Marinheiro 03 e Ensemble
Larissa Noel - Ensemble
Mari Saraiva - Ensemble
Tiago Dias - Marinheiro 02 e Ensemble
.PRODUÇÃO
Direção de produção: Marilia Toledo
Coordenação de produção: Patrícia Figueiredo
Produção: Camila Sartorelli, Eddye Vieira e Jota Rafaelli
Produtores associados: Kleber Montanheiro, Marília Toledo e Erica Montanheiro
Assessoria de imprensa: Pombo Correio
Idealização do projeto: Kleber Montanheiro e Erica Montanheiro
Produtora associada: Domínio Público Produções
Idealização: Da Revista Arte e Entretenimento
Realização: Lolita & La Grange Produções Artísticas
.SERVIÇO
CABARET KIT KAT CLUB
Temporada: 8 de março a 12 de maio de 2024.
Sessões: sextas-feiras às 20h30; aos sábados às 15h e 20h30; e aos domingos às 15h e 19h30.
Duração do espetáculo: 2h45 (com 15 minutos de intervalo)
Local: 033 Rooftop
Endereço: Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041 - Vila Olímpia, São Paulo - SP, 04543-011
Capacidade: 342 lugares
Setores e preços:
Mesa: R$ 300,00
Camarote: R$ 250,00
Mesa bistrô: R$ 200,00
Preço popular: R$ 39,60
Vendas online em: https://bileto.sympla.com.br/event/89608 (com taxa de conveniência)
Classificação indicativa: 14 anos
** Clientes Santander têm 30% de desconto no valor do ingresso, mediante compra com o cartão do Banco.
CANAIS DE VENDAS OFICIAIS
Sem taxa de serviço:
Bilheteria do Teatro Santander - Todos os dias, das 12h às 18h. Em dias de espetáculos, a bilheteria permanece aberta até o início da apresentação.
A bilheteria do Teatro Santander possui um toten de autoatendimento para compras de ingressos sem taxa de conveniência 24h por dia.
Endereço: Av. Pres. Juscelino Kubitschek, 2041.
Internet (com taxa de conveniência):
https://site.bileto.sympla.com.br/teatrosantander/
Formas de pagamento: Dinheiro, Cartão de débito e Cartão de crédito.
Videos