Charles Möeller and Claudio Botelho, who are in charge of the book and concept of BLACK ORPHEUS to be seen this year on Broadway, produced by Stephen Byrd, open in Rio "All Chico Buarque's Musicals in 90 minutes", a theatrical love letter to one of Brazilian most gifted stage, movie and popular composers ("Dona Flor and her two Husbands" movie theme for instance).
O título, quando se toma conhecimento pela primeira vez, não deixa de ser curioso e surpreendente: TODOS OS MUSICAIS DE CHICO BUARQUE EM 90 MINUTOS. Mas quando o primeiro refletor ilumina o palco do Teatro Clara Nunes no Rio de Janeiro e Claudio Botelho surge em cena como "Carlos- o Dono da Companhia", em meio à névoa de uma época não definida, a surpresa se transforma numa encantada e quase infantil perplexidade. Só mesmo Claudio e Charles, dois artistas iluminados, fariam com que Chico Buarque desse a mão a Arthur Azevedo e lançasse uma apaixonada "piscadela" de olho à Dulcina de Moraes e Odilon de Azevedo, a Procópio Ferreira, à Bibi, à Eva e seus Artistas, à Maria Della Costa e Sandro Polônio, a Manoel Pera e Dinorah Marzulo e a tantos outros consagrados e anônimos operários da magia, que mambembaram por esse Brasil e mundo afora, levando em seus baús a matéria de que, com certeza, são fabricados o mais fascinante dos sonhos: o Teatro. Que concepção absolutamente brilhante! Quando imaginávamos que veríamos um recital de grandes canções, acondicionado numa produção certamente competente, eis que surge ali, à nossa frente, o suor e as lágrimas, as frustrações e alegrias, as glórias e padecimentos de todos nós, artistas brasileiros.
Inegavelmente CHICO/90 MINUTOS é o resultado de uma maturidade de criação que chega, com este trabalho a uma perfeição inquestionável e absoluta. A obra (seria um sacrilégio chama-la de "roteiro") é um verdadeiro trabalho de engenharia literária, utilizando as letras de Chico ( de canções que não são cantadas no espetáculo) como o alicerce para se contar uma história que, com economia verbal, transporta a platéia para o cotidiano de uma "Companhia de Teatro" perdida no tempo, desde a escolha do elenco, os ensaios, a turnê, até o encerramento dessa suposta "mambembada".
A direção de Charles Möeller é uma constante caixa de surpresas, como a "materialização" (prefiro chama-la assim - Deus, que momento inspirado!) dos versos de "Geni e o Zepelin", a cena da novela das oito na cidadezinha que só tinha oito casa ( absolutamente encantadora!) e o inesperado "golpe de Teatro" quando se esgota o "tempo regulamentar de 90 minutos" e então... A platéia recebe um grande presente. A gente bem que procura mas não acha de jeito algum na encenação e na direção doa atores, um momento sequer em que o bom gosto não esteja a serviço de de uma festa teatral em que a harmonia seja um personagem constante lado a lado com os atores. Vejamos por exemplo a cena final de " A Dama das Camelias" ( o "espetáculo" que a "Companhia de Teatro" percorre o Brasil): pois Claudio e Charles foram buscar em "La Traviata" uma das soluções mais brilhantes da noite! Substituiram o carnaval da musica de Verdi ("Allegre maschere, pazzi garzoni, tutti plauditelo com canti e suoni!") pela também certamente eterna "Noite dos Mascarados", fazendo com que o elenco transforme suas máscaras numa poética mortalha para a Violetta/ Marguerite.
Os atores/ cantores merecem um capítulo a parte. Vejam os senhores: alguns de vocês devem saber que este que assina essa resenha esteve ligado profissionalmente durante muito anos a esta Artista Maior que é a nossa Bibi Ferreira. Pois se conheço bem a minha querida Mestra, tenho certeza de que ela se entusiasmaria e se emocionaria bastante com duas das interpretações mais tocantes e perfeitas de canções que passaram a ser em sua carreira marcas registradas: Claudio Botelho, dono de um inegável talento TAMBÉM para atuar, nos brinda com uma pungente (uma palavra antiga mas não encontro outra), verdadeira, emocionante e arrepiante interpretação de "Basta Um Dia" que deixa a sua alma- e a da platéia- em frangalhos ; Soraya Ravenle, como a "Primeira Dama" da "Companhia" , faz juz ao nome que tem seu personagem: só uma Primeiríssima Dama do nosso Teatro poderia recriar essa "Gota D'Agua" de modo tão pessoal e dilacerante, com uma autoridade quase sobrenatural, um senso de emoção e teatralidade que muito poucas vezes testemunhei num palco. Ao lado de Claudio e Soraya, Malu Rodrigues, Davi Guilherme, Estrela Blanco, Felipe Tavolaro, Renata Celidonio e Lilian Valeska ( simplesmente soberba em sua interpretação de "Funeral de um Lavrador") contribuem sem dúvida alguma para que este " ato teatral" possa atingir, do início ao fim, sem restrições, a perfeição.
Thiago Trajano (orquestrações e regencia) e Jules Vandystadt (arranjos vocais) são outras duas grandes estrelas da noite com a colaboração de Luciano Correa (cello), Priscila Azevedo (piano e acordeon), do grande Marcio Romano (na percussão e marimba). alem do próprio Trajano (na guitarra, violão e bandolim). Da mesma forma, Paulo Cesar Medeiros (iluminação), Rogerio Falcão (cenografia), Marcelo Pies (figurinos), Beto Carramanhos (visagismo), Marcelo Claret (design de som), Tina Salles ( coordenação artística), Edson Lopes (produção executiva) e tambem Leo Ladeira, Cris Fraga, Edgar Duvivier e tantos e tantos outros, contribuem com talento e competência para a inquestionável Excelencia desse memorável empreendimento.
Quase no encerramento do espetáculo o personagem de Claudio Botelho pergunta à Primeira Dama, um pouco confuso: "Todo mundo foi embora... Ou será que fui eu quem partiu e não aprendi a voltar? Era ano novo, mas... que ano? Que século?" TODOS MUSICAIS DE CHICO BUARQUE EM 90 MINUTOS é um desses acontecimentos que permanece em nossas almas feito tatuagem. Eu por exemplo, saí do Teatro Clara Nunes com muito mais coragem para seguir essa difícil mas sempre maravilhosa viagem que é o ato de viver. E digo mais: ao lado de "Roda Viva", "Calabar", "A Opera do Malandro", " Gota D'Agua" e tantos outros que contaram com parceiros como Paulo Pontes, Augusto Boal, Ruy Guerra e Naum Alves de Souza, esta obra prima de Möeller e Botelho, merece com certeza estar, a partir de agora, na lista dos grandes musicais de Chico Buarque também. Bravo!
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